quarta-feira, 9 de março de 2011

No Carnaval da Globo

Hoje é a quarta feira de cinzas. Quanto a mim, particularmente, estou seguindo a tradição do meu carnaval que é me divertir durante ele e me sentir realmente mal, por um motivo ou por outro, no final. Mas eu vou falar aqui de um lado mais conhecido de todos nós do carnaval, que é aquele vicariously vivido através da telinha da Globo: o carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro.

A opinião que eu vou expor aqui é provavelmente um pouco batida e pode parecer que eu estou falando o óbvio, porque estou mesmo, mas mesmo assim achei que podia valer a pena colocar a público algumas coisas. A exemplo da moça que virou hit na internet falando coisas pejorativas - mas um pouco incoerentes entre si - sobre o carnaval, quando vê eu também tenho os meus quinze minutos de fama.


A frase que eu achei icônica pra representar o espírito do carnaval do Rio foi proferida pela moça comentarista do carnaval na própria Rede Globo. Sem a menor intenção de ironia ela chamou atenção para o fato de que a dispersão é quando o pessoal aproveita para se divertir. Noutro momento, uma repórter elogiou uma determinada escola de samba exaltando a sua competência.

Os foliões aproveitam o momento da dispersão para se divertir. Claro, porque o resto do tempo eles estão participando de uma competição com regras rígidas, onde precisam demonstrar competência para cumprir um determinado papel. Esse é um carnaval onde ninguém pode sair da linha por um momento. Agora me expliquem de novo o que é carnaval, por que eu achava que era exatamente o oposto disso.

Não bastasse isso pra fazer do carnaval do Rio a coisa mais aborrecida do mundo, ainda existem os sambas enredo, que também têm as suas condições e pressupostos: Quanto à forma, o samba enredo é formado unicamente por frases invertidas para rimar com o verbo no final. A letra faz menções aleatórias a elementos do tema, sem nenhum nexo entre si. Por isso, segundo eu ouvi dizer, é chamado de samba enredo.

Quanto ao conteúdo, o tema de um samba enredo tem que ser, necessariamente, escolhido entre os conteúdos de algum livro de ciências, geografia ou história do ensino fundamental. Sendo assim, o samba pode ser sobre os povos indígenas brasileiros, sobre doenças causadas por protozoários ou, como foi o caso de uma escola que eu vi esse ano, sobre as teorias de Charles Darwin.

Não consigo pensar em um tema mais chato para um samba do que uma narrativa didática sobre a evolução das espécies. Até se pudesse haver humor, como é a tradição do samba, poderia ser bom, mas não: é absolutamente proibida qualquer ironia, qualquer trocadilho, qualquer malandragem. A palavra de ordem é exaltação de alguma coisa, e só. Queria ver o que pensaria hoje Noel Rosa, o malandro de Vila Isabel.


Quanto às fantasias e carros alegóricos, seja qual for o tema, a melhor forma de colocar em prática é retratá-lo de uma perspectiva histórica. Sendo assim, se o tema é X vamos ter X entre os egípcios, e aí são múmias, faraós, pirâmides, X entre os gregos, X medieval com castelo. Ou então animais, plantas, carro-tigre que abre a boca. Seja X o que for, no final vai dar na mesma coisa.

Não sei muito bem como terminar esse texto aqui. Só queria dizer ainda que não concordo com a crítica da moça do youtube à “festa em que tudo é permitido”. Lembrem de todos os sambas que falam sobre o valor desse momento breve de redenção para um povo que se fode tanto o ano inteiro. No carnaval, deixa a gente se divertir, e deixa os bêbados merecerem uma ambulância.

11 comentários:

Anônimo disse...

achei ótimo esse final. sinceramente é o que eu penso... o povo se fode o ano inteiro. se essa alegria de dois ou três dias compensa o esforço e toda economia do ano, eu só tenho uma coisa a dizer: QUE BOM. eles sabem ser felizes. a crítica da moça é ofensiva. e nada mais desagradável e estúpido do que isso.
mas discordo das tuas posições sobre samba-enredo/fantasias e tudo o mais. acho que ainda é um trabalho bem feito e pra mim faz total sentido as escolhas (ainda que algumas sejam, realmente, um tanto chatas... mas em qualquer lugar/situação existe isso, não só no carnaval).
e não esqueçamos que o carnaval é uma indústria. mas isso já é uma outra conversa...

Gustavo disse...

Pode crer Tom, também estava pensando nesse negócio das regras. Outras coisa q me incomdou foi a presença onipresente da mídia, no meio da avenida, pendurada nos carros alegóricos, todo o instante se metendo em tudo, e enquanto as escolas desfilavam tinha uns caras comentando o negócio, dando opinião. Indústria como disse a carolina.

Dornelles disse...

carnaval pra mim significa apenas uma coisa: mais uma forma de pegar o dinheiro e jogar pra outro canto que não seja o investimento nas necessidades básicas do Brasil.

Tudo bem que seja um dos pontos mais fortes do turismo no país, mas duvido que o dinheiro arrecadado acrescente o suficiente pra cobrir os gastos para receber os turistas.

L.P. disse...

O Carnaval em sí, se transformou no fenômeno turístico que o país orgulha em se mostrar. Mas levando em conta como outras coisas ilícitas pelo qual o país é conhecido e procurado, não é o pior.

O que me entristece, é que o dinheiro que grande parte do país paga, vira só um programa de tv meio monótono pra esmagadora maioria. De consolo pra quem não vai na festa na Sapucaí, ficam os feriados. O que não melhora a minha qualidade de vida em praticamente nada.

Acho que um dos últimos sambas-enredo que teve algum significado mais importante do meu ponto de vista, foi o da Mangueira em 1999 que homenageava os grandes mestres do samba. Foi marcante pra mim, porque foi uma aula sobre a velha guarda do samba e se não me engano, também comemorava o centenário da escola. Se estes mesmos mestres gostariam desse carnaval de hoje? Quem sabe? Entre imprevisíveis malandros, românticos e pessoas com pensamento além do seu tempo, talvez fosse um sonho virando realidade, a bateria, as mulatas, os carros, as luzes e os fogos... ao menos, por duas noites.

Robert Snows disse...

Haehueiaheiua "doenças causadas por protozoários"! Muito bom.

O Martinho da Vila, ou o Paulinho da Viola, ou algum desses locos respeitados pacaralho, que deu umas entrevistas falando do que era o carnaval antes e depois de chegar o dinheiro. Falando com pesar, diga-se.

Enfim, o desfile é a exibição do trabalho que a comunidade (?) teve no ano todo. Ou seja, como sempre que o dinheiro toma conta, a alegria do pobre é trabalhar pro rico.

Nic Hck disse...

só discordo da parte que discorda do video da mina falando, é facilmente perceptível que ela se refere ao carnaval nordestino, e lá, apesar de um certo grau de elitismo, fica longe de ser todo esse glamour do rio.

José Antonio Magalhães disse...

Valeu geral aí pelas opiniões

Lulu e Carol,

Poisé, discordo de vocês no sentido de que pra mim o negócio é mesmo absurdamente chato sempre e não tem praticamente nada que se salve

Titanic,

Mas a minha discordância da moça nem era relativa a essa parte do elitismo. A crítica era ao moralismo exagerado dela

Nic Hck disse...

então entendi errado, achei que era a respteito do puta puteiro que na real nem existe mais nesse carnaval do estilo carioca e tal.

Robert Snows disse...

Tu diz isso porque eles não filmam nos cantinhos do camarote da Brahma.

Douglas Rodrigues disse...

Apenas um esclarecimento: O "carnaval do Rio", como citado no texto, não se resume ao desfile das escolas de samba. Esse ano, por exemplo, mais de 400 blocos de rua saíram e arrastaram muita gente. E, sem necessidade de comprar abadá pra se divertir. Não existem áreas vips nos blocos de rua do Rio. Fui em vários deles e pude me divertir muito sem gastar um centavo (tirando a bebida, óbvio).
O desfile das escolas de samba é, como o nome já diz, um DESFILE. É um espetáculo. Se tem quem pague para vê-lo, e as pessoas gostem de desfilar, não vejo nenhum problema que ele exista. Eu, particularmente, gostaria de assistir. Acho bonito e interessante, Não iria para curtir carnaval e sim para ver um espetáculo. Assim como pago para ver uma peça de teatro ou um show.

José Antonio Magalhães disse...

Douglas,

Claro que eu sei que o carnaval do Rio não é só o desfile das escolas de samba, mesmo porque seria impossível imaginar que no resto da cidade não se fizesse carnaval, mas é que o meu post é sobre esse carnaval específico - o que passa na televisão e que eu suponho que seja a primeira imagem de carnaval do Rio que passa na cabeça de alguém ao ouvir essa expressão

Sobre o desfile ser um desfile, eu não estou dizendo que as pessoas não gostam de ver ou que não gostam de desfilar, porque se estão lá, e se pagam, certamente gostam. Eu só questiono e não entendo o motivo de gostarem disso, a título de carnaval, a título de folia, que é o nome que o negócio pretende ter

Mas isso, é claro, é só a minha opinião, e isso aqui é um blog de opinião. Da mesma forma, eu não gostaria de assistir nem a título de espetáculo por que acho um espetáculo repetitivo e chato pra caramba.