segunda-feira, 22 de agosto de 2011

#txt2

preciso de um cigarro. aceita? relaxa, não é contagioso, eu acho… isso, é uma entrevista né? você não deveria perguntar alguma coisa então? se é só isso que você quer, irei começar. isso começou a acontecer mais ou menos umas três semanas atrás. fazia a minha rotina como sempre fiz: acordo de manhã, fumo meu cigarro, trabalho, almoço, trabalho, fumo mais um pouco, volto pra casa, assisto tevê, fumo outro cigarro e durmo pra começar tudo de novo. nos fins de semana quase a mesma coisa só que sem trabalho e coloca aí uma cerveja ou duas com o pessoal do bar. tem algum fator de risco aí? nada que provavelmente mais da metade dos caras solteiros na minha idade que você conhece não faça. é meio chato, assistente técnico telefônico. mas não fiz curso técnico nenhum. só sigo um fluxograma e um computador fala o que eu vou falar para os clientes. nada de extraordinário mesmo. um macaco poderia fazer a mesma coisa e até com mais boa vontade. se bem que eu devo ter uma voz simpática, já que quem eu atendo me qualifica bem. a moça gosta da minha voz? desculpa. na tevê nada de mais. na maioria das vezes nem prestar atenção eu presto. acho que na maioria das vezes eu só ficava vendo as imagens ou nem isso. hã? não, não. nada de mais mesmo. poderia estar passando futebol ou novela. não fazia diferença. era só as imagens que eu via. chato não. acho que não achava nada mesmo. cinema não, nem “teatro”, nem boate ou seja lá como chamam hoje. desde quando namorei pela última vez acredito, faz uns dois ou três meses. evito contar o tempo, mesmo enquanto ele insiste em mostrar como passa. eu gostava dessa mulher, mas não tanto quanto ela gostava de mim, acho. então ela quis separar, por mim tudo bem. … certo, voltando ao porque disso. uns dias atrás. acho que só me dei por conta quando fui atravessar uma rua com semáforo e quase fui atropelado. o motorista e alguns pedestres gritaram comigo perguntando se eu era cego, e não tinha visto o sinal. quando cheguei no trabalho viram que eu estava meio aflito e pediram pra eu falar com um médico. o doutor estranhou muito, porque não tinha visto um caso assim, disse que essa doença é de nascença e não aparece depois de velho. olha, não sei se a cura existe e nem sei se faz diferença. absurdo nenhum. se isso foi só me afetar quando fui atravessar uma rua, dá próxima vez é só eu olhar para os lados que isso não acontece de novo. além do mais, se existir algum tratamento, certamente vai estar fora do meu orçamento. acho que só perdi algo que não me fazia muita falta. ah moça, não me acho único não. penso deve ter acontecido com mais gente que nem deve ter se dado conta. esse mundo só mostra as cores que tem pra quem para pra ver e pra quem quer ver. e quem não é um pouco assim hoje em dia? quem para pra olhar pra vida? … era só isso? não aceita um café? obrigado por ter vindo então. espero ter ajudado. boa noite.