segunda-feira, 19 de março de 2012

Aos fatos

Como prometido, respondo solenemente ao post do nosso ex-parceiro Jan Magal, agora em nova casa. E prometo aqui que é a última vez que eu faço isso nesse semestre, que tá me tomando tempo demais e dando dinheiro de menos.

Antes de mais nada, eu nunca disse que o Bob Dylan não é genial. É perfeitamente plausível achar ele genial. Assim como é perfeitamente plausível achar o Limp Bizkit genial. Eu enxergo menos motivos, mas é possível, eles têm fãs e tudo. O problema está na hierarquização. Por exemplo: uma característica pessoal minha é não deixar de gostar das coisas...

(Eu poderia elaborar uma teoria sobre como todas as pessoas que deixam de gostar das coisas têm a tendência a hierarquizar e acabam no Chico Buarque, mas fica pra próxima.)

...então, não tendo essa preocupação de gostar só de coisas que me justifiquem intelectualmente perante a sociedade (ops, teorizei), eu gosto de algumas músicas do Limp Bizkit até hoje. Rollin', acho genial. Acho melhor que qualquer coisa que o Bob Dylan fez na vida. Porque me dá uma baita vontade de chacoalhar o tórax, enquanto o Dylan não me dá vontade de nada. Quem tem medinho é quem acha que música é uma imagem a zelar.



A comparação com Smoke On The Water era pra demonstrar justamente isso: o cara é gênio pra quem dá valor ao que ele faz. Pra quem dá valor a riffs, ele pode ser só um cara importante. Não quer dizer que eu não consigo me colocar na pele do fã de Bob Dylan. Eu gosto de músicas com 4 acordes, gosto de letras bem feitas e com conteúdo e os caralho. Mas especificamente quando o Bob Dylan faz isso, eu acho mahomédio.

Se não faz sentido avaliar o Dylan pelos critérios com que se ouve Limp Bizkit ou Deep Purple, igualmente não faz sentido colocar uma música dele na frente ou atrás de outras num ranking de importância ou qualidade. Mas é divertido fazer e consumir listas, não é? Dá referências pras pessoas, além do mais.

E quem é que escolhe quem vai ficar na frente? Quem diz que um é genial e outro é uma merda? Quem faz as listas. Dá pra confiar 100% em quem faz as listas? Não. Obviamente não quero dizer que é todo mundo pago ou vota nas mesmas coisas pra aparecer. Mas no mínimo no filtro do jabá, no século passado, o artista tinha que passar, né?

O Capitão Nascimento, em Tropa de Elite 2, explicou bem a ideia: "O sistema não tem um planejamento central nem diretoria, parceiro. O sistema é um mecanismo impessoal, uma articulação de interesses escusos." Não é uma entidade, não é um complô, é simplesmente a maneira como as coisas se organizam. Não venham me dizer que num mundo de um zilhão de pessoas, Dylan e Chico Buarque são seres iluminados acima do resto dos mortais. E nem venham me dizer que são ruins. A questã é se ater aos fatos.

(A propósito, tirei a citação do Google, pode não ser bem isso, mas a ideia é essa.)

O Tom tenta driblar retoricamente a própria mania de hierarquizar, mas derrapa nos detalhes. Ele pressupõe que a população brasileira não gosta do que ele ouve porque não teve contato, mas aposto que não passa pela cabeça começar a ouvir sertanejo universitário ou tecnobrega. Fico, inclusive, muito feliz, porque lá pra cima a indiezada já fez esse salto intelectual e, porra, não quero ter amigos ouvindo música cagada. Oh wait!

Um comentário:

J. A. Magalhães disse...

Ora, meu caro Roberto, não só passa pela minha cabeça o sertanejo universitário como passa pela frente da minha casa no carro alheio, pela minha festa de formatura, etc. Como disse lá no meu post um tal Guilherme (que não sei se é o Tortelli), gosto talvez não se discuta, mas certamente se impõe. Ainda assim, sigo meio que sabendo que sertanejo (e qualquer coisa universitária, for that matter) é uma bosta - embora tenha passado a achar "Ai Se Eu Te Pego" menos bosta com o tempo.

Mas acho que eu vou ter que esclarecer um pouco mais o meu ponto de vista a respeito dessa questão de gosto, porque eu não concordo que seja "igualmente plausível" achar Bob Dylan e Limp Bizkit genial - pelo menos não no planeta Terra. Me parece que tu estás, sim, caindo no relativismo absoluto com o qual eu não concordo porque não explica a forma como as pessoas factualmente se comportam e falam sobre gostos em geral.

Se tu nunca deixaste de gostar de nada, isso pode até ser um fato a ser estudado, mas certamente não quer dizer que todo o mundo que deixa de gostar de alguma coisa o faz por pressão de alguma insegurança social e vontade de posar como alguma coisa, coisa que - por mais absurda que seja - parece ser o que estás afirmando.

De qualquer forma, é claro que as pessoas (normais) que deixam de gostar de coisas acabam hierarquizando, por aqueles motivos mesmos que eu expus no meu post: não faria sentido deixarmos de gostar das coisas se não admitíssemos que temos algum critério e ter critérios implica em hierarquizar as coisas.

Talvez o que não esteja sendo devidamente compreendido a respeito do meu ponto de vista seja que, quando eu digo que os critérios de hierarquização das coisas não são absolutos, mas sim relativos, e que podem ser aprendidos, não estou de forma alguma dizendo que não se deve hierarquizar as coisas, mas sim que a hierarquização de coisas é relativa a alguém que admite determinados critérios. Só que, como existem pessoas com critérios mais coerentes e bem desenvolvidos do que outras (dados os padrões mais gerais e aceitáveis pelos outros intérpretes), certas hierarquizações acabam sendo mais social-intersubjetivamente aceitas. A questão é que isso não se explica só por interesses de mercado e outras podrices, mas perfeitamente também por genuíno bom gosto de pessoas que chegaram a formar opinião porque efetivamente tinham cacife para tanto. Não, eu não acho que a opinião do pré-adolescente da Redenção fã de new metal - muito menos justificável ainda dez anos depois - vale o mesmo que a do crítico da Rolling Stone. Eu não acho que a minha opinião dez anos atrás vale o mesmo que a minha opinião hoje - e aí recaímos nos argumentos do meu post.

Enfim, teu "ops teorizei" te entrega, Robertinho. Estás sim teorizando e é uma teoria da conspiração geral demais pra fazer algum sentido: é uma tentativa de explicar todos os fenômenos que eu tentei explicar através de uma única coisa, que é essa suposta necessidade fabricada de se justificar intelectualmente perante a sociedade. Claro que isso existe, mas certamente não é a única explicação pra todos os fenômenos em questão. Alias, isso é bem coisa de marxista e, como todo monismo, tem tudo pra não dar certo.